Saúde pública

O dezembro é vermelho, mas faltam antirretrovirais

Soropositivos estão sem duas medicações, na Zona Sul; distribuição de preservativos também é precária

Paulo Rossi -

O dezembro é vermelho. Deveria ser de luta contra a Aids. Com desabastecimento de dois tipos de antirretrovirais - um deles sem previsão de chegar a Pelotas - e sem camisinhas para distribuir à rede básica de saúde e às Organizações Não Governamentais (ONGs), o sinal é de alerta. A prevenção, sempre tão propagada pelo Poder Público, fica completamente prejudicada. A escassez de preservativos tem se agravado neste último ano, até as prateleiras ficarem completamente vazias.

Para piorar as estratégias preventivas, o tratamento com a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), indicada para pessoas que tenham maior chance de entrar em contato com o HIV, também corre riscos. O estoque no Serviço de Atendimento Especializado (SAE) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) - uma das referências da região para retirada de medicação de HIV-Aids - termina no começo do mês de janeiro. Um e-mail encaminhado à equipe confirma o envio de guia complementar, mas não fixa data e, ao que tudo indica, não deverá chegar nesta semana. Daí a possibilidade de descompasso.

E o alerta é do próprio Ministério da Saúde: a PrEP só tem efeito se você tomar os comprimidos todos os dias. Caso contrário, pode não haver concentração suficiente do medicamento em sua corrente sanguínea para bloquear o vírus. Na prática, o próprio governo federal tem descumprido o protocolo que estabelece que o remédio deve ser retirado, gratuitamente, a cada 90 dias.

Com a liberação da PrEP abaixo do necessário, a 3ª Coordenadoria Regional de Saúde (3ª CRS) orientou à equipe do SAE a dispensá-la para apenas 30 dias para evitar que algum dos 44 cadastrados no programa, na Zona Sul, ficasse sem acesso ao método de prevenção à infecção pelo HIV. "Com toda a certeza, não era o que queríamos, mas ficamos dependendo do Ministério nos mandar. Pela informação que temos, ocorreu problema na licitação", explica a titular da 3ª CRS, Caroline Hoffmann, ao referir-se também aos antirretrovirais. O lote de medicações entregue na última sexta-feira, por exemplo, foi quatro vezes menor do que o previsto - acrescenta.

O perigo das interrupções no tratamento

Nas prateleiras, restaram apenas as etiquetas de identificação. Neste momento faltam dois tipos de antirretrovirais. Não raro, a equipe do SAE checa como estão os estoques das outras farmácias do Rio Grande do Sul, recorre aos veículos da 3ª CRS e monta uma logística para tentar barrar o desabastecimento. Mas nem sempre é o suficiente.

No caso do Abacavir Solução, destinado ao uso de crianças, a situação é ainda mais delicada. A última caixa foi entregue neste mês e não há previsão de nova remessa. Para quem utiliza o Raltegravir de 100 miligramas (mg), que já não pôde ser retirado neste mês, ao menos um alento: a encomenda, que deverá chegar a Pelotas no final desta semana, promete restabelecer o estoque.

É um cenário que se choca com as orientações dos próprios profissionais da Saúde, que batem forte na importância da adesão ao tratamento. E, vez por outra, veem os esquemas terapêuticos ameaçados devido à falta de medicação. "Esses intervalos longos sem os antirretrovirais são muito delicados", explica a farmacêutica do SAE, Márcia dos Santos. "A carga viral pode aumentar, o usuário pode criar resistência à medicação e pode acontecer de todo o tratamento precisar ser revisto", preocupa-se. 

Quem está na linha de frente, como ativista, preocupa-se com o desmonte da saúde pública. "Atacar as políticas de prevenção de HIV-Aids é atacar o SUS como um todo, já que este trabalho sempre foi um dos pilares que demonstrava que o SUS pode dar certo", defende Rodrigo Rosa. E vai além: com a falta ou escassez de antirretrovirais e de PrEP, a prevenção combinada e a qualidade de vida ficam sob risco. "São essas medicações que mantêm a nossa vida, nos mantêm indetectáveis e não transmitimos o vírus nas relações", reforça. E trata de lembrar que a Aids está por trás de milhares de mortes por ano no Brasil. Só em 2018, foram registrados 10,8 mil óbitos - apontam as estatísticas.

Camisinhas: de abundância nos estoques ao fim

Os últimos meses têm sido de problemas na distribuição de preservativos em Pelotas. A média que costumava ser de 80 mil camisinhas, por mês, hoje é incerta. Em novembro, por exemplo, o Ministério da Saúde encaminhou apenas 14 mil unidades. Na última sexta-feira, quando o Diário Popular conversava com a equipe do departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids (DST/Aids) da Secretaria de Saúde de Pelotas, haviam chegado outros 21 mil preservativos. Número muito abaixo da demanda.
"Tá difícil. A gente nunca consegue ter a verdade do que está acontecendo e o problema não se resolve", desabafa a assistente social Maria Alice Rodrigues. Nos próximos dias devem estar disponíveis as 144 mil camisinhas adquiridas pela prefeitura, após tomada de preços que começou no mês de julho. E, se já não bastasse a demora para ter acesso ao material, agora - diante da incerteza de quando a situação será normalizada - a Secretaria se prepara para fazer render o estoque, já que o Carnaval - marcado para fevereiro - se aproxima.

Conheça alguns números 

- O Ministério da Saúde projeta que 135 mil pessoas vivam com o vírus HIV no Brasil e não sabem.
- Em 2018, 43,9 mil casos novos de HIV foram registrados no país.
- Em toda série histórica, a maior concentração de casos de Aids está entre os jovens de 25 a 39 anos, de ambos os sexos, com 492,8 mil registros.
- Os casos nessa faixa etária correspondem a 52,4% para o sexo masculino e, entre as mulheres, a 48,4% do total de casos registrados.

 

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